09 outubro 2006

Correio da Cidadania - Ambiente e Cidadania

Águas paulistanas
Danilo Pretti Di Giorgi


Há certas realizações do ser humano que me impressionam hoje assim como quando eu era criança. O navio flutuar, o avião voar e as cirurgias microscópicas são alguns exemplos da infinita capacidade humana de realizar feitos notáveis que ainda me encantam. Sinto-me assim com relação à mágica da água potável saindo pelas torneiras de milhões de residências de uma cidade como São Paulo.
A água, um dos principais símbolos da vida, matéria-prima fundamental de todos os seres vivos, jorra democraticamente das torneiras instaladas nos condomínios de luxo dos Jardins e nos mais miseráveis barracos das periferias. A mesma água, a um preço relativamente baixo, serve a todos. A população da região metropolitana de São Paulo consome a cada segundo 65 mil litros de água tratada, o que representa duas piscinas olímpicas por minuto. Fico então fazendo contas na minha cabeça: se somos cerca de 20 milhões na Grande São Paulo, cerca de 0,3% da população mundial, qual seria o consumo do planeta? Prefiro parar de fazer as contas, me assusto.
Apenas 50% da água consumida no município têm origem dentro do seu território. Desta parcela, mais da metade vem da zona Sul, na região de Parelheiros. Trata-se de um pedaço muito especial da cidade: há Mata Atlântica remanescente em 60% do território, inclusive com a inusitada presença de duas aldeias de índios guaranis.
Apesar de ocupar 25% do território paulistano, a região de Parelheiros tem fraca densidade demográfica - porém em franca expansão - e é toda protegida pela legislação de mananciais. Em 1991, a população local não passava de 61 mil pessoas, mas hoje chega a 200 mil. Parece pouco, considerando que nos outros 75% da cidade vivem quase 11 milhões, mas a esmagadora maioria dos moradores no local vivem aglomerados em áreas irregulares, sem rede de esgoto, que deveriam estar vazias ou sendo ocupadas extensivamente, com unidades rurais, para garantir a preservação dos rios e córregos que alimentam as represas de Guarapiranga e Billings.
A população da região cresce cerca de 9% ao ano, enquanto a média da cidade é de 1,4% e do país, de 1,8%. São 56 favelas, sendo 46 em áreas de risco. Hoje, diante de uma fiscalização precária, a regra é a ocupação desorganizada, com o incremento anárquico de cerca de 70 loteamentos clandestinos já existentes, com a conseqüente e crescente contaminação dos mananciais.
O território de Parelheiros é estratégico para a vida da cidade de São Paulo: além de sua importância vital no fornecimento de água, equilibra as correntes térmicas, com as menores temperaturas e os maiores registros de chuvas da cidade. Apesar disso, é uma área esquecida pelo poder público. Sua subprefeitura foi constituída apenas em 2003 e o processo de institucionalização e presença do Estado na região ainda está em fase de consolidação, com grave carência de recursos materiais e humanos. Para ficar apenas em um exemplo, Parelheiros, apesar de ser uma região de caráter agrícola, não conta com nenhum agrônomo contratado, uma reivindicação antiga do atual subprefeito, Walter Tesch.
Uma das principais lutas de Tesch é para que a cidade e o poder público acordem para a importância da região para o futuro da metrópole como produtora de água, ar limpo e qualidade de vida. Corajoso, está tomando atitudes drásticas, porém necessárias, como a demolição de ocupações irregulares que pipocam por toda a região, conseqüência da indevida fiscalização, dada a falta de pessoal.
Está enfrentando grileiros que, grande parte das vezes ligados a políticos locais, ludibriam a população de baixa renda e com baixo nível de escolaridade e negociam propriedades públicas e privadas de forma irregular, que se transformam rapidamente em favelas e áreas de risco com enorme custo social, econômico e político.
Para Tesch, um otimista, o fluxo migratório e a ocupação irregular do extremo sul paulistano ainda podem ser estabilizados. Ele acredita que tais fatores ainda não teriam alcançado o ponto critico de não-retorno. Para o subprefeito, a principal forma para evitar isso é o congelamento da ocupação irregular: um desafio tão grande quanto essencial para a população da cidade e do entorno.
Os detalhes da conclusão do Rodoanel - que pode tanto ser um fator positivo quanto negativo do ponto de vista ambiental, dependendo da forma como for efetivado - e a inauguração da estação de trem no bairro do Grajaú, interligada ao Metrô, são fatores cruciais para o destino da região. Na semana que vem tratarei novamente desta questão, analisando as propostas do subprefeito para enfrentar estes problemas.

Danilo Pretti Di Giorgi é jornalista

Nenhum comentário: